
BMW R90S
A BMW R90S, é considerada por muitos a primeira verdadeira superbike da história.
Foi "desenhada" por Hans Muth, e "produzida" por Robert Lutz, dois gurus do design e produção de motas.
Para além da R90S, também desenharam, e produziram, mais dos icon's da BMW.
A R65LS.

E a R100RS.


Muito popularizada pela série televisiva, "O Santo".


Também, em 1979, quando Hans Muth saiu da BMW e foi para a Target Design, projectou, para a Suzuki, a inovadora e controversa, "Katana".


Mas tudo começou em 1971, quando Hans Muth, um aficionado pelas motas, entra para a BMW como desenhador de interiores de automóveis, e quando, um ano depois, em 1972, o "guru" do marketing, Robert Lutz, entra para a BMW como "Director de Vendas" do departamento automóvel.
Logo, desde no início das suas actividades na BMW automóveis, foram sendo testemunhas do sentimento generalizado, de descrença e desnorte que grassava em todos os colaboradores do departamento das motas BMW.
Igualmente, era grande a pressão, da direcção e do sector financeiro da marca, para o encerramento, ou pelo menos, para a venda dessa secção.
Depois de vários desafios e confrontos com a direcção da BMW, acabaram por tomar em mãos o futuro das motas BMW.
Partiam duma realidade incómoda.
Enquanto o departamento automóvel vendia mais de 200.000 veículos por ano, o número de motas que saia da fábrica de Berlim andava, apenas, pelas 10.000, 12.000, por ano.
As razões eram simples.
Os japoneses estavam a aparecer no mercado com motas cada vez maiores, mais interessantes e "bonitas", mas também, com mais performances e mais fiáveis.
Os motores tinham árvores de cames à cabeça e 4 cilindros em linha, e os travões, eram de disco.
Tudo isto, com um aspecto muito apelativo e a preços muito convidativos.
O exemplo maior, foi o lançamento da Honda 750 Four, em 1969, que respondia aos apetites dos consumidores mais jovens que, apesar de terem menos dinheiro disponível, tinham uma vontade muito grande de andar de mota e de descobrir as inovadoras sensações que estas modernas máquinas proporcionavam.

Enquanto isso, as motas BMW continuavam a utilizar tecnologia muito convencional e datada, com visual desactualizado, e apareciam na imprensa como, "motas de turismo agradáveis, para pessoas idosas".
Tudo isto, com preços que duplicavam, ou triplicavam, os das japonesas.

Para ajudar, o departamento das motas BMW de então não tinha qualquer liderança assumida, pelo que as áreas das vendas, da engenharia e do design, tomavam as decisões, autonomamente, e sem qualquer comunicação, ou linha condutora, entre si.
Perante estas duras realidades, Robert Lutz e Hans Mutch, meteram mãos ao projecto, e reorganizaram, de cima a baixo, todo o departamento das motas BMW.
Deram orientações radicalmente diferentes, não só quanto à forma de trabalhar, mas também, quanto à imagem e características que as novas produções tinham de ter.
Assim, em vez de tentarem competir com as motas japonesas, em número de cilindros, potência pura, exuberância e preço, optaram por apresentar projectos de motas "sexy", desportivas e rápidas, mas também, seguras e suaves de conduzir.
Tudo isto deveria ser "embrulhado", num pacote com muita elegância e qualidade Premium, ainda que, com preços acima da concorrência.
Como não tinham apoio da direcção da BMW, para gastar muito dinheiro, a base para o desenvolvimento dos novos modelos foi a R75/5, lançada em 1969, na altura objecto de bastantes inovações técnicas que, pelo sucesso que obteve junto dos clientes e pelas provas dadas na competição, provou ter um excelente motor e um excelente quadro.
Pelo seu design, com as tampas da bateria cromadas e vincadas e, em alguns modelos, com partes do depósito, tambem cromado, tinha a alcunha de "Toasted", "Torradeira".

A cilindrada passou para os 898 c.c., utilizando a experiência dos muitos construtores de kit's que, com essa cilindrada, apresentavam propostas "caseiras" para melhorar as prestações da R75/5.
Começou assim a ser desenhada a R90S.

Os travões tinham de ser com discos, a caixa, com cinco velocidades e os detalhes, tinham de apresentar qualidade e design.

Para a contenção dos custos de produção, os outros modelos que foram produzidos nessa altura, a R60/6, a R75/6 e a R90/6, partilhavam todos, o quadro, as suspensões, a direcção e o respectivo amortecedor, regulável em 3 opções de amortecimento e actuável a partir do guiador, os travões traseiros, as rodas, os instrumentos, os comandos Magura, a iluminação e sinalização, a caixa de velocidades, a embraiagem, o bloco do motor e todo o seu interior, como a bomba de óleo, a cambota, as bielas e o curso dos pistons, assim como nas cabeças, as válvulas, as sedes, as molas, as guias e os martelos.



Também eram iguais, o braço oscilante, o veio de transmissão e o cardam, assim como os escapes e a parte eléctrica, com a ignição, as bobines e o motor de arranque, a serem partilhados.
Havia uma única excepção, o alternador da R90S era mais "fraco" do que o das outras, para não "pesar" tanto no motor.
Igualmente, as tampas laterais, eram iguais em todos os modelos.
Diferiam, nos cilindros, pistons e cabeças do motor, nas varetas das válvulas, na alimentação, nos sistemas de travagem dianteiro e na transmissão final, com as respectivas relações do diferencial traseiro, a serem especificas para cada modelo.
A mota tinha de ter caracter e imagem desportiva, mas apresentar um depósito de combustível grande, e ser capaz de transportar, condutor e passageiro, a grande velocidade e com grande conforto.

Esta mota, preocupada com o conforto do passageiro, foi a primeira a contemplar a possibilidade de afinar a altura dos poisa pés do mesmo.

Para além disso, como nos automóveis, de onde Muth e Lutz vinham, o novo modelo tinha de ter um "rosto".
Assim, Muth introduziu uma baquet na traseira do banco, e uma carenagem na parte frontal, muito semelhantes às que eram usadas nas motas de competição da época.



A carenagem frontal, ainda que pequena, servia para melhorar a aerodinâmica, dar conforto ao condutor, protegendo-o dos elementos, e ainda albergar, como que no cockpit de um avião, os instrumentos de bordo que, pela primeira vez numa mota de produção, incluíam um relógio eléctrico.


Estes elementos aerodinâmicos, para além da imagem e do conforto que davam ao condutor, foram essenciais para que a R90S ultrapassase a barreira dos 200 km/h.
Sendo a primeira mota de produção a consegui-lo.
Para a decoração exterior, foi escolhido um esquema de cores, com base no preto, que tinha sido a cor quase exclusiva na BMW até às R75/5, e que representava a tradição e história da marca.
Sobre ele, aparecia a prata "fumada", que representava o dinamismo das novas ideias para a motas BMW.
Foi assim criada a cor, "Silver Smoke".

Agora, o problema era fazer esta pintura em série.
Isto só foi possível, com a contratação de um numeroso grupo de talentosas senhoras que, peça a peça, iam fazendo as pinturas à mão.
Aumentou-se assim a exclusividade da R90S, pois podia-se dizer que, não há duas iguais, e que todas são diferentes.
Um ano e tal depois do lançamento, em 1975, nas visitas de Muth às corridas de Daytona, nos USA, este inspirou-se na cor da equipa de competição da BMW na altura, o laranja, e criou o "Daytona Orange" que, como no "Silver Smoke", utiliza a prata fumada para dar dinamismo.


Este "Daytona Orange", sempre associado à imagem da competição, teve muito sucesso entre os clientes, sendo comum os seus proprietários afirmarem, que estas R90S, "andavam" mais que as "Silver Smoke".
Tudo isto foi muito rápido.
Entre o início do projecto da R90S e a sua primeira apresentação ao público, em 1973, no Paris Motorcycle Show, decorreram apenas 18 meses.
Mas logo aí, o sucesso foi muito grande, e absoluto.
Era uma mota grande, com 900 c.c., com uma imagem muito apelativa, inovadora e desportiva.
Por outro lado, as prestações eram acima de toda a concorrência.
Era muito veloz, ultrapassava os 200 km/h de velocidade de ponta, e muito rápida, ia, dos 0-100 km/h, em 4,8 sec.
Era cara, mas pela qualidade e inovação que apresentava, ninguém conseguia criticar esse facto.
As revistas da especialidade, como a "Cycle", que testou a R90S em Março de 1974, foram unânimes em considerar que era uma mota, suave, silenciosa, muito rápida, muito fiável, estruturalmente sólida, com boas suspensões e bons travões, mas, principalmente, muito, muito, confortável.
Criticaram o seu preço, quase o dobro de uma Kawasaki Z1, que liderava o topo das performances até então, e que agora, com apenas 20% menos de prestações, custava quase metade da R90S.

A R90S também custava, mais do dobro da sua outra concorrente, a Honda 750 Four.

No entanto, todos concluíram que era uma mota única, muito evoluída, com prestações acima das de todas as outras e, de grande qualidade e conforto.
Apesar de ser cara, todos concordaram que era o preço a pagar por estar, muito à frente, do que existia no mercado até então.

Essa era, aliás, uma das premissas que estava no "caderno de encargos" da génese da R90S.
Desde os primeiros "esboços", que Hans Muth e Robert Lutz tinham acertado com uma ideia.
A nova mota, não se poderia parecer com nada do que existia na altura, principalmente, com uma Honda.
Atraiu assim, numerosos novos clientes para as motas BMW, principalmente, das elites endinheiradas da altura.
A publicidade também ajudou.




No total, entre Setembro de 1973 e Julho de 1976, foram produzidas 17.455 R90S, altura em esta foi substituída pela R100S, que começou a sair da fábrica em Maio de 1976.
A R100S, e depois, a R100CS, nunca atingiram a "fama", quer comercial, quer desportiva, da R90S.
Apesar da maior capacidade do motor, 980 c.c., eram em tudo idênticas à antecessora.
Tinha a mesma potência máxima, binário e regimes de motor.
Os sistemas de travagem e suspensão, também eram muito semelhantes, pesavam menos 5 kg, e a caixa de velocidades tinha algumas "melhorias" em relação à da R90S.
Foi a primeira mota de produção a conseguir baixar dos 13 segundos, (12,974 s), no 1/4 de milha, passando essa marca a 167,38 km/h.
Também ao nível do design exterior, e do painel de instrumentos, era muito semelhante, apresentando, apenas, algumas actualizações de pormenor.
Até Outubro de 1984 foram produzidas, 15.801, R100S e CS.



Os planos de produção da R90S, cautelosos ao princípio, tiveram que ser sucessivamente ampliados, pois a procura não parava de aumentar.
Para responder à grande procura, a pintura, complicada de executar, obrigou a um grande reforço do número de senhoras que a executavam.
Também outros fornecedores de componentes, como os dos carburadores, tiveram dificuldade em responder à grande procura do público.
Este sucesso nas vendas, apesar do preço elevado, levou a que a motas BMW, que tinham margens de comercialização elevadas, superiores às dos automóveis, passassem, para grande satisfação das direcções da marca, a gerar lucros importantes, invertendo assim a onda de prejuízos do passado.
As características técnicas, da R90S, eram as seguintes:
Cilindrada: 898 c.c.
Potencia máx: 67 cv, às 7.000 rpm
Binário máx: 76 Nm. às 5.500 rpm
Taxa de compressão: 9,5:1
Alimentação: 2 Carburadores Dellorto, com 38 mm e bomba de aceleração
Caixa: 5 velocidades
Embraiagem: Monodisco a seco, com mola de diafragma e comando por cabo
Transmissão: Por veio e cardam, com diferencial no eixo traseiro
Sistema eléctrico:
Alternado trifásico, com 238 w
Bateria 12v 25 Ah
Arranque: Eléctrico e de pedal kickstart
Quadro: Duplo berço tubular em aço
Suspensão dianteira: Forquilha telescópica, com 200 mm de curso
Suspensão traseira: Braço oscilante, portador do veio de transmissão, com 2 amortecedores telescópicos, com 125 mm de curso e regulação de pré-carga da mola, com 3 posições
Travagem dianteira: 2 Discos maciços, no início, perfurados depois de 1974, com maxilas de um embolo, com comando misto, por cabo e hidráulico, com bomba central, por baixo do depósito de combustível e avisador, de nível de óleo insuficiente, no painel
Travagem traseira: Tambor, com 2 calços
Jante dianteira de aço, raiada, com 19''
Jante traseira de aço, raiada, com 18''
Aceleração: 0-100km/h, 4,8 s
Velocidade máxima: acima dos 200 km/h
Combustível: Gasolina Super, C/ 98 octanas
Capacidade do Tanque de Combustível: 24 l, incluindo 2 l de reserva
Peso a seco, com lubrificantes: 205 kg
As inovações que a R90S apresentava, em relação à concorrência eram:
-1ª mota de produção a ultrapassar os 200 km/h!
-1ª mota de produção a utilizar dois discos de travão dianteiros, primeiro maciços, depois perfurados
-1ª mota de produção a utilizar dois discos de travão dianteiros perfurados, para eliminar o aquaplaning das pastinhas
-1ª mota de produção a ter carenagem dianteira e baquet traseira
-1ª mota de produção a ter relógio no painel
-1ª mota de produção a ter sistema de sinalização de emergência intermitente, 4 piscas
-1ª mota de produção a ter afinação de altura, dos poisa pés do passageiro

A R90S diferia dos outros modelos da BMW comercializados na época, os já referidos, R60/6, R75/6 e R90/6, pois tinha, carenagem dianteira e baquet traseira, relógio e voltímetro, dois discos de travão dianteiros, taxa de compressão maior, 9,5:1, em vez de 9,0:1, da R90/6, cilindros exteriormente pintados a preto, para melhor dissipação do calor, alimentação por intermédio de carburadores Dellorto, de 38 mm, com bomba de aceleração e alternador trifásico mais fraco, de 238 w, em vez de 280 w, para não "pesar" tanto no motor e assim privilegiar as prestações.


Em comum, com todos os outros modelos, vinha com um completíssimo livro de instruções e manutenções, um também completíssimo jogo de ferramentas, numa luxuosa bolsa e um pano de limpeza, com o logótipo da BMW.
Trazia também uma bomba de ar manual, para encher os pneus e um sistema de fixação do capacete, que o permitia deixar, agarrado à mota e em segurança, quanto esta estava parada.


Apareceu também a inovação do descanso lateral com recolha "automática".
Tinha como função, impedir que o condutor iniciasse a marcha, por descuido, com o descanso lateral "aberto".
Tal, a acontecer, poderia provocar, por contacto violento do descanso com o solo, o desequilíbrio da mota e uma previsível queda.
Esta era considerada, uma inovação de segurança.

No entanto, na práctica, aliando este descanso de recolha "automática", a uma tranca direcção que só actua quando esta está virada para o lado direito, quando, inadvertidamente, alguém se encosta à mota, lhe dá algum encontrão ou, por qualquer motivo, diminui o peso exercido sobre o descanso, este recolhe imediatamente, fazendo com que a mota fique "desamparada" e caia para o chão.
Foi uma inovação que, na utilização cotidiana, provou ter um interesse muito discutível.
Manteve-se no entanto, durante alguns anos, em todos os modelos da marca.
Havia ainda, para todos os modelos, uma lista de extras disponíveis.
Tinham soluções para bagagem, com malas Krauser e respectivos suportes, grade de bagagem para colocar na traseira, pala de protecção de projecções da estrada, para instalar no guarda lamas traseiro, carter de maiores dimensões, para aumentar o volume de óleo circulante e assim assegurar, nos países quentes, uma melhor refrigeração do motor, protecções metálicas laterais, para proteger os cilindros e as cabeças do motor, faróis suplementares, de longo alcance, tampão de gasolina com chave e sinalização de emergência, com o uso dos 4 piscas intermitentes.





A nível de prestações, conseguia chegar aos 204 km/h, e acelerar dos 0 aos 100 km/h, em 4,8 sec.
A nível desportivo, para além das muitas provas e troféus onde participou e ganhou, como as provas TT da Ilha de Man, a R90S ficou mundialmente conhecida por ter conseguido, em 1976, na 1ª corrida da AMA, do 1º Superbike Championship, em Daytona, o 1º e 2º lugar, lado a lado, com a declaração do vencedor, Steve McLaughlin, por intermédio do FotoFinish.
O seu companheiro de equipa, Reg Pridmore, ficou a 2'' (5 cm) de distância.



No entanto, no final da época, foi Reg Pridmore que, com a sua R90S nº 163, se sagrou o 1º campeão em Superbikes do mundo, entregando também, à BMW, a primeira Taça de Construtores Superbike da AMA.

Aqui, o dramático acidente de Steve McLaughlin, na última volta de Laguna Seca, nos USA, onde passa, na zona da recta da meta, a mais de 160 km/h com a mota virada ao contrário.

A R90S foi também a mota utilizada como "cobaia", nos aturados testes que a BMW fez ao seu inovador sistema anti-bloqueio das rodas na travagem, o ABS para motas, introduzido, como extra em todos os modelos, no catálogo de 1983.

Em Portugal eram muito raras.
Pois tinham um elevado preço, na altura custavam cerca de 110 contos, quando um automóvel BMW, modelo 1602, custava na ordem dos 70 contos e um 2002, na ordem dos 90 contos, .
Igualmente, a instabilidade política que se vivia na altura, 1974/1975, não aconselhava a "investimentos", tão "pesados", numa mota.
Actualmente, é uma mota de culto, com muitos clubes e grupos de proprietários, quer nos EUA, quer na Europa, que promovem encontros e passeios exclusivos para este modelo.
Em Espanha, existe o "Registo R90S Español", integrado no "Amigos de Clássicas BMW de España".


Organizam ao longo do ano, passeios regionais e temáticos.
Uma vez por ano, organizam um Encontro Ibérico.
Em 2016, foi em Baiona, na Galiza.




Eu tenho uma R90S, de 1974, que foi importada da Austria.
Depois de restaurada por mim, tem sido a minha companheira de viagem em muitas ocasiões.



Existem muitas publicações dedicadas à R90S, principalmente, americanas.
Para quem quer saber tudo sobre esta mota, o livro, "BMW R90S", de Ian Falloon, é um dos mais interessantes e completos.


Foi com ele que muito aprendi sobre a minha R90S, durante a fase de restauro e que agora partilho convosco.